terça-feira, 8 de novembro de 2011

Está dificil atrair a classe C

Uma equipe de 15 gerentes da subsidiária brasileira da fabricante de produtos de higiene Kimberly-Clark, com sede em São Paulo, partiu em janeiro para uma missão de resgate na periferia de Fortaleza, no Ceará.

Durante um mês, o grupo conversou com pequenos varejistas locais, treinou demonstradoras em supermercados e promoveu encontros para falar sobre cuidados pessoais com moradores de bairros pobres da região. O objetivo era reanimar as vendas da fralda Mágica, lançada em outubro de 2009 para conquistar os consumidores de baixa renda.

O preço era 25% menor em relação ao modelo mais barato da empresa, em boa parte graças a um inédito cinto elástico reutilizável. Criada nos laboratórios de inovação da Kimberly, a Mágica parecia ser o ovo de colombo para conquistar o maior mercado do país. Faltou só combinar com o consumidor.

As vendas do produto chegaram apenas à metade do planejado — uma meta inicial de 120 milhões de reais por ano. Apesar do trabalho intensivo no Nordeste, que chegou a impulsionar em 20% as vendas na região, a Kimberly decidiu tirar o produto do mercado em todo o país em julho, após quase dois anos de tentativas.

“O investimento necessário para relançar a fralda nacionalmente e explicar seu conceito aos consumidores tornaria o produto inviável”, diz Marco Antônio Iszlaji, diretor de assuntos legais e corporativos da Kimberly-Clark. “Por isso, decidimos recuar e reavaliar o projeto.”

Empresas de diversos setores começam a perceber que vender para a classe C — um contingente de mais de 100 milhões de consumidores — nem sempre é tão fácil como pode parecer.

Uma pesquisa recente feita pelo instituto Data Popular com executivos de 210 companhias com faturamento acima de 100 milhões de reais mostra que 77% deles admitem que suas empresas ainda não estão preparadas para atrair as classes emergentes.

Em alguns segmentos, como o da indústria, esse percentual sobe para 83%. As dificuldades ocorrem em diversas frentes — da estratégia à distribuição. “É um mundo ainda pouco conhecido para executivos que, por muito tempo, criaram produtos para um consumidor muito parecido com eles próprios”, diz Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular.

O levantamento mostra que ainda existe uma enorme distância entre o que os homens e as mulheres de negócios pensam e o que os consumidores de fato desejam. A maioria dos executivos declarou, por exemplo, que o preço é o principal fator nas escolhas de compra da classe C.

Na opinião dos próprios consumidores, porém, a decisão é balizada sobretudo pela qualidade. “Com orçamento restrito, na dúvida, eles preferem levar para casa um produto com qualidade mesmo pagando um pouco mais por isso”, diz Meirelles. Foi o que a Kimberly-Clark percebeu — da maneira mais difícil — com sua fralda Mágica.

No caso da operação brasileira da fabricante japonesa de equipamentos eletrônicos Sony, ultrapassar essas barreiras exigiu dois anos de acompanhamento da rotina de consumidores da classe C. Ao longo dos últimos 18 meses, mais de 70 executivos — 40 deles vindos da matriz — visitaram cerca de 200 casas de brasileiros em cidades como Feira de Santana, na Bahia, Manaus e Porto Alegre.

Alguns desses executivos chegaram a passar 48 horas com consumidores — e até dormir na casa deles. “O trabalho nos ajudou a quebrar dogmas sobre a classe média emergente, como o que eles não usam todas as funcionalidades do equipamento”, afirma Carlos Paschoal, gerente de inovação e marketing da Sony Brasil, que também participou das imersões.

Neste ano, a subsidiária ganhou carta branca da matriz para investir em produtos exclusivos para esse público. Um deles é um aparelho de som residencial, lançado em outubro, que conta com luzes vermelhas e azuis que piscam conforme o ritmo da música tocada — o recurso foi incluído depois que os executivos da Sony observaram que os equipamentos são usados não apenas dentro de casa, mas também para animar festas.

Outro senso comum é o que os consumidores da classe C sempre reagem bem à abordagem da venda direta. Um caso que desmente essa percepção é o da companhia aérea Gol. Até 2004 a nova classe média representava apenas 10% de sua base de passageiros.

Nos anos seguintes, com o aumento de renda desse público, os executivos da companhia decidiram estudar novos modelos para atendê-lo. Em 2008, bilhetes aéreos passaram a ser vendidos no modelo porta a porta, por meio de 400 vendedoras espalhadas pelas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.

O formato foi abandonado dois anos depois, após problemas de tecnologia — o aparelho utilizado pelas funcionárias da Gol frequentemente não se conectava às centrais de venda.

Segundo a companhia, o fator novidade também foi um empecilho. “Boa parte dos consumidores nunca havia voado de avião, tampouco conhecia a companhia e, por isso, preferia um contato mais direto conosco”, diz Eduardo Bernardes, diretor comercial da Gol. “Esse aprendizado nos incentivou a montar o projeto das lojas físicas.”

Com o fim do porta a porta, a Gol acelerou a abertura das lojas — hoje são oito, em bairros como São Mateus, na zona leste de São Paulo, e em estações de metrô da capital paulista.

Segundo a empresa, os espaços físicos dão a sensação de segurança para o consumidor, especialmente para o passageiro de primeira viagem. “Essa operação tem hoje o papel estratégico de atrair novos consumidores”, diz Bernardes.

Desconstruir os mitos sobre a classe C se torna cada vez mais urgente à medida que esse público deixa de ser um nicho para se transformar no principal mercado consumidor de muitas empresas. No setor de eletroeletrônicos, por exemplo, essa faixa da população já representa metade das vendas — em 2001, sua participação era de 20% das receitas.

Para as companhias de aviação, a nova classe média já fornece 48% dos passageiros. “Hoje, mais do que nunca, uma estratégia equivocada significa prejuízos milionários”, diz André Torretta, da consultoria A Ponte, especializada em baixa renda. “Mas pior do que errar é ficar de fora desse mercado.”

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