segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A vida como ela é nos negócios

Os bons resultados anunciados ontem pela TIM foram explicados de diversas formas, com vários números. Todos mostraram que a empresa teve um ótimo desempenho em 2010, quase triplicando o lucro líquido da operação. O resultado surpreendeu o mercado — e foi um baita alívio para a companhia, que perdeu mercado em 2008 e andou de lado em 2009. O que faltou explicar claramente foi como a empresa conseguiu levar para dentro da operadora quase 10 milhões de novos clientes — e o mais importante, clientes que geram caixa. O interessante é que as explicações mais relevantes são justamente as que analistas e até jornalistas desprezam.

Uma conversa há poucos dias com o presidente da operadora, o italiano Luca Luciani, deu pistas do caminho que levou a empresa a bons resultados. Em primeiro lugar, fica claro que a TIM fez uma opção pelos pobres, a tão falada nova classe média brasileira — embora nem ele nem ninguém dentro da companhia assuma isso. Assunto batido? Sem dúvida. Mas, a questão é que pouca gente sabe como fisgar e manter a fidelidade desse novo consumidor. Boa parte dos estudos de marketing deixa escapar o óbvio, simplesmente porque o óbvio tem pouco charme. E não é que Luciani — que nem brasileiro é — conseguiu entender direitinho o que o brasileiro de baixa renda quer do telefone celular? Sim, esse brasileiro queria e quer falar. Simples assim. E, se der para falar com os parentes que ficaram no Nordeste, sem gastar horrores, melhor ainda.

A idéia dos pacotes Infinity e Liberty — os principais responsáveis pela conquista dos novos assinantes por permitir que os clientes da operadora falem gratuitamente ou muito barato entre si — surgiu de uma curiosidade da filha de Luciani. Os dois estavam na praia (no Rio de Janeiro, onde fica a sede da operadora), e a menina queria entender por que as pessoas falavam tanto e tão alto ao telefone (referindo-se aos usuários de rádio Nextel). Enquanto explicava para a filha que aquelas pessoas estavam falando num rádio Nextel, pois não pagavam pelo tempo das ligações, Luciani fez algumas reflexões e concluiu o óbvio: uma massa enorme de pessoas quer falar ao celular, mas tem de fazer contas o tempo todo porque a telefonia móvel ainda é cara demais no Brasil. Boa parte dessa massa é formada por migrantes de outros estados, onde vivem muitos de seus parentes. Bingo! Essas pessoas ainda não estão interessadas na última tecnologia, e, portanto, o principal investimento na rede da empresa talvez não tivesse de ser em rede 3G (que transporta dados com mais velocidade), mas em 2G (suficiente para transportar bastante voz). Em um ano, a empresa dobrou a capacidade da rede 2G.

Luciani também aprendeu com a empregada quanto os filhos dela gastam em lan houses para usar internet, principalmente para participar de redes sociais, como Facebook e Twitter. A informação foi valiosa para a criação dos pacotes que liberam a navegação na web pelo celular por 50 centavos ao dia, muito menos do que cobram lan houses. Tá aí: é sempre bom lembrar que inovação não depende apenas da sofisticação da tecnologia empregada, mas passa por entender o que o outro quer ou nem sabe que quer, mas, se tiver, vai adorar.  Muitas vezes, um produto inovador depende apenas da observação da vida como ela é.

Fonte: Roberta Paduan / Revista Exame

Nenhum comentário:

Postar um comentário